Olá, eu sou o Autismo. Muito prazer. 😉
- Quanto você conhece sobre autismo?
É, por mais que eu queira te fazer essa pergunta, primeiro preciso te contar sobre a primeira vez que eu escutei essas palavras. Foi curiosa a menção, já que apareceu numa sessão de terapia, que eu frequentava religiosamente toda semana (e para a qual pretendo retomar).
A verdade é que a resposta era: muito pouco. Sempre me interessei por qualquer condição, variação ou comportamento mental desde que me conheço por gente. Sou graduada em comunicação social por conta da minha extrema obsessão pela forma como as pessoas se comunicam e os motivos que as levam decidir, agir ou reagir a qualquer coisa. Acumulei alguns cursos em neuromarketing e neurocomportamento porque eu sou uma viciada em entender as pessoas (e você já vai descobrir o porquê). Mas nunca fui uma especialista dessa condição. Eu sabia o que quase todo mundo que sabe sobre isso conhece: as “generalizações”.
E enquanto eu estava sentada naquela poltrona, mapeando os sons que vinham do lado de fora, escutando o chão ranger debaixo dos meus pés, apertando sutilmente um dos meus braços com a outra mão e vendo a luz entrar pela janela lateral, muitas imagens sobre os meus trinta anos de vida apareciam na minha mente quase querendo serem usadas como resposta.
Minha psicóloga esperava pacientemente essa fração de minuto entre a pergunta e a minha resposta provavelmente sabendo que, para mim, aquilo era um infinito. Sejamos sinceros: se essa pergunta vem para você após uma dezena de exercícios, conversas profundas e imersão no autoconhecimento e na própria história, você não espera exatamente que a terapeuta esteja apenas puxando papo. E bastaram essas cinco palavras para todos os cantinhos escuros da minha mente ganhassem uma espécie de iluminação.
Não deveria fzer tanto sentido assim, oras. Eu sou uma pessoa que trabalha com comunicação, construí uma família, tenho amigos, consigo quebrar o gelo em algumas situações sociais… Como é que eu poderia ter autismo? Mas eu não precisava exatamente perguntar para a psicóloga sobre isso. Eu já sabia essa resposta há pelo menos 25 anos: nada disso era natural para mim.
As coisas mais cotidianas do mundo sempre me custaram demais. A dor no rosto por conta do maxilar sempre travado. A musculatura cansada de tantos movimentos repetitivos com as pernas e os braços. O balanço do tronco que, sutil, até por mim passava despercebido em reuniões importantes ou discussões complicadas. Os tiques com os objetos. A extrema falta de tranquilidade com conflitos e histórias pendentes. Desde uma mensagem não respondida até um mal entendido.
A dezena de relações comprometidas por “ataques de nervoso” que não eram “nervoso” e eu nunca soube explicar. As brincadeiras de criança onde me enfiava em guarda-roupas, com uma pequena lanterna e um livro, e não queria que ninguém invadisse. A extrema racionalização de um abraço, um carinho no cabelo ou uma massagem. E uma série de outros pequenos e grandes exemplos que ainda vou te contar nessa jornada, que me doeram, mas que acima de tudo, me fizeram a vida inteira acreditar que tinha algo errado comigo.
Eu sei, eu sei… Contando assim, ainda tudo parece muito “normal”, mas talvez eu seja uma das provas vivas que “normal” não existe, e tudo que a gente acha que está sob controle pode ser uma grande mentira. Mas isso eu conto depois, porque ainda precisamos responder minha psicóloga, que segue naquele momento esperando por mim. Era meu assunto “em aberto” do momento e eu precisava dizer alguma coisa. Eu disse o que eu sabia. Ela explicou bastante mais do que isso. E me indicou procurar um neurologista especializado para conhecer um pouco mais.
Preciso dizer que a abordagem dela foi delicada, profissional, quase intuitiva. Não houve conclusão, diagnóstico, recomendação. Simplesmente uma sugestão para procurar um médico especializado e verificar se tinha algum diagnóstico para trabalharmos. Não sei dizer exatamente qual das coisas fez ela despertar essa sugestão. Pode ter sido o exercício do espelho que eu não consegui encarar e fiquei mais vermelha que um pimentão. Pode ter sido o detalhe das minhas lembranças. Pode ter sido a liberdade com a qual eu consegui dizer pra ela o quanto me incomoda pessoas que ficam me tocando… Talvez nada disso ou tudo isso junto. Mas eu segui sua recomendação. E numa consulta que eu posso detalhar outro dia, um neurologista professor da USP e doutor em comportamento, depois de duas horas de perguntas, testes e conversa, confirmou o que agora já era óbvio.
Mas eu não sou uma pessoa que se contenta com a primeira “opinião”. Por mais respeitado que fosse o profissional, por mais que eu confiasse nas abordagens da minha psicóloga, eu queria um pouco mais. Conversei com mais alguns profissionais da área de saúde, e falei inclusive com um deles que me conhecia. Aberta e diretamente: você acha que eu sou autista? E a resposta foi tão maravilhosa que eu finalmente aceitei essa condição e mudei minha vida com base nesse simples rótulo: talvez todos nós sejamos um pouco.
E pronto. “Simples” assim, eu tinha um nome para dar a tudo aquilo que era guerra interna. A tudo que eu não conseguia explicar para minha família. A todos os comportamentos que me corroíam por dentro e me faziam ter crises e mais crises de todos os tipos. Eu parei de me sentir um ser humano solitário e descobri o poder da minha solitude. Descobri sobre autocontrole, sobre a respiração, sobre permitir ir ladeira abaixo quando necessário, e não esquecer o caminho de volta. Eu, que sempre precisei dar nome às coisas, que sempre fui tão literal, agora literalmente tinha algo para me descrever, e o que poderia parecer desespero se tornou provavelmente a maior paz que eu já senti.
E depois de muito tempo pensando sobre isso, agora quero colocar em palavras toda essa jornada, para que você aí do outro lado também se reconheça e para que, finalmente, tenha sentido colocar em prática toda a comunicação que eu aprendi até então apenas em teoria. Vem comigo conhecer o meu melhor amigo Autismo?
Dannie K.
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